quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Odisseia na crise lusa

Salve-se quem puder!
O barco entrou em rota de naufrágio. O comandante, em serviço há cerca de meia dúzia de anos, desertou, há alguns meses, para não ser confrontado com a grave situação em que deixou o navio, devido à sua total inépcia na arte de marear. Com grande ingenuidade, prometeu navegar sempre de vento em popa, em velocidade de cruzeiro, rumo ao “Eldorado”, como se os ventos fossem sempre favoráveis e navegasse num “mar de rosas”, ao estilo de “The Love Boat”. A turba, inebriada e feliz, aplaudia estas miragens de sonho e de volúpia desde sempre desejadas, mas agora oficializadas em referendo popular. O convés fervilhava de emoções ao luar como se a existência se transformasse, por magia, num paraíso terreal, de fantasia.
Alguns ex-capitães e oficiais da oposição, alertando para perigos futuros, deram insistentes avisos à navegação. Era preciso ter muito cuidado com a mareação tranquila mas muito perigosa, com uma possível cambadela inesperada, provocada pela mudança repentina dos ventos. Era preciso corrigir a rota, mudar de rumo, amainar a velocidade, verificar a sala das máquinas (os remadores), avaliar os recursos, os mantimentos e evitar a pirataria, os motins e as sublevações populares. Lançaram, ainda, críticas às constantes guinadas no leme, à enorme incapacidade em o segurar e à teimosia em prosseguir de vela folgada. O timoneiro ignorou os avisos e os perigos, mentiu e enganou os subalternos. Refugiou-se cada vez mais no seu castelo de popa num autismo demente. Surgiram ventos contrários de vários quadrantes. Ondas alterosas sacudiam a frágil e velha embarcação de mais de oitocentos anos de História, a pirataria rondava o navio, apercebendo-se da defesa enfraquecida e mal preparada porque mais habituada ao conforto da alcova e dos camarotes. O mar encheu-se de tubarões, os recursos começaram faltar, mas o capitão teimava em apresentar obras megalómanas e continuar a navegar ao largo como se a crise fosse uma miragem longínqua.
O descontentamento alastrou pelos conveses onde a turba se sentia traída pelo comandante que lhes exigia cada vez mais impostos (em doses ou PEC I, II, etc.) para suportar os enormes encargos com a sua vida faustosa e luxuosa, dos seus imediatos e oficiais. Sucediam-se insolvências, falências e despedimentos. O índice do desemprego e o custo de vida ameaçavam suplantar a altura dos mastros. A criminalidade alastrava como a peste e a Justiça virava as costas aos grandes casos e escândalos que minavam o poder.
Finalmente uma enorme bordada de artilharia eleitoral destronou o capitão do seu posto. O leme ficou vago e outro comandante se prontificou a conduzir o navio a bom porto.
O novato e ainda inexperiente capitão, que tinha prometido não sacrificar mais os passageiros com taxas, penhoras e outros tributos, mal conhecia o estado das contas públicas de toda a barca, a resistência do casco, a conservação dos conveses, as reservas de mantimentos, as epidemias a bordo e a força e os ânimos da população.
Rapidamente se apercebeu da enorme rataria que infestava toda a embarcação, que consumia a produção, que debilitava as finanças e corrompia toda a estrutura social enquanto grandes abutres de rating lançavam palpites premonitórios à espera da derrocada. Calotes e dívidas monstruosas, golpes vários e outros atentados ao estado e à harmonia social corroeram toda a estrutura do navio, deixando-o com enormes buracos, à mercê das ondas especulativas e de fortíssimos ventos contrários.
O naufrágio estaria iminente caso não fossem tomadas medidas urgentes para conter a corrosão acelerada, provocada pelo desvio colossal. Para evitar o abismo, o leme e a bandeira foram parcialmente cedidos a capitães estrangeiros, mais poderosos, que impuseram regras de mareação em bolina cerrada, com as velas totalmente caçadas, ficando a soberania, claramente, enfraquecida.
O capitão rodeou-se de novos cartógrafos, marinheiros e de outros especialistas na ciência náutica e prometeu reconstruir o navio, traçar novas rotas, acalmar os ânimos e limpar as nódoas da injustiça, da corrupção e da revolta. Prometeu, ainda, mão firme no leme, apesar de muitos escolhos, do mar encapelado e do horizonte sombrio que mal deixava ver o sol, as estrelas ou um simples farol.
Face à dura realidade, o comandante impôs um orçamento atroz, violento e brutal. Toda a turba se sentiu como se fosse condenada às galés e a trabalhos forçados que mais pareciam os suplícios da escravatura. Surgiu um coro de vozes de protesto contra tão forte austeridade, exigindo que os velhos privilegiados dos camarotes de luxo e dos conveses superiores, os responsáveis pelo descalabro, descessem aos porões do sacrifício. Gritou-se por justiça! A austeridade deve ser para todos! Quem nunca repartiu as benesses deve, com muito mais razão, repartir a penúria e as privações – gritaram os arautos do povo – prometendo duras lutas e fortes contestações aos cortes de salários, à eliminação de subsídios e de outras remunerações a toda a classe de marujos do serviço público de toda a barca.
Concluído o diagnóstico verificou-se a terrível situação do navio: os cofres vazios, o tesouro hipotecado e as reservas esgotadas. O capitão insistiu que não haveria margem de manobra. Abandonado o mar alto da prosperidade era forçoso não perder de vista a terra firme e evitar os baixios e as rochas, perigos fatais, que ameaçam encalhar e despedaçar o navio. A população residente sente-se em apuros, receosa, sem mantimentos ameaçando definhar à fome e à sede. Pedir socorro torna-se uma tarefa vã. Muitos outros navios, no mesmo oceano, sofrem as mesmas dificuldades. Apesar de tudo, algumas pessoas tentam abandonar o navio, à procura de um lugar mais tranquilo, de ondas menos agitadas, emigrando para longe, deixando parte da família com a promessa de um futuro melhor. Sentem que o manto protector do providente Estado Social, tão apregoado pelo anterior comandante, está totalmente rasgado em pequenas tiras, frágeis, por não resistir aos fortes ventos da recessão. Mas alguns ex-comandantes vivem em praias paradisíacas e em paraísos fiscais porque se apoderaram dos cofres e dos tesouros amealhados, com enorme esforço, dos mais fracos.
Instala-se um forte sentimento de injustiça e de angústia, aumenta mais e mais o sofrimento e o temor pelo dia de amanhã. Tudo parece estar à deriva, em desordem e em abandono total. A verdade é dura e cruel. A segurança está comprometida. Ninguém garante a salvação em caso de naufrágio. Teme-se que os capitães titulares se transformem em perigosos corsários, piratas ou mercenários ao serviço de uma qualquer máfia poderosa. Além dos cortes de salários e de subsídios, fecham-se muitos serviços públicos, centros de saúde, escolas e hospitais. Os que permanecem abertos revelam muitas falhas e restrições e o atendimento é precário. Os crimes violentos, os roubos, os assaltos e outros atentados multiplicam-se diariamente, dando a sensação de maior insegurança e inquietação. Nada está garantido: nem os direitos adquiridos nem os bens acumulados com o trabalho de toda uma vida.
Não há bóias de salvação, lanchas ou barcos salva vidas para todos que esperam, a qualquer momento, o terrível aviso do comandante: SALVE-SE QUEM PUDER!

terça-feira, 11 de outubro de 2011

A ditadura da dívida

Eleições na Madeira
Parece mais que evidente que, se as leis fossem cumpridas (todos somos iguais perante a lei), o Sr. Alberto João já devia estar preso há muito tempo. Toda a gente já terá concluído que estas maiorias absolutas conquistadas ao longo de tantas eleições consolidaram a prepotência e o abuso de poder que são a causa e a consequência da intolerância e do autoritarismo em que se tornou o regime que governa a chamada “pérola do atlântico”.
Pelas notícias que recebemos, a ideia que formamos acerca deste regime é de uma espécie de democracia, um simulacro de Estado de Direito, alheio a todo o tipo de regras, de princípios e de leis, incluindo a lei fundamental de um Estado de Direito. Se se faz obra sem haver dinheiro só para agradar ao povo e fazer inaugurações em tempo de campanha, ou marinas para ficarem vazias e destruídas pelo mar, piscinas sem utentes onde se gastaram milhões de euros, onde está a sociedade solidária de que fala a Constituição no artigo primeiro? Se a Madeira já é uma pérola porque é que ainda temos que dar o ouro ao “bandido”? Os dedos sem anéis da maioria dos portugueses acusam esta enorme injustiça, esta ditadura da dívida de quem vive no luxo e na ostentação, irresponsavelmente.
A ditadura da dívida sobrepôs-se à alegada defesa dos direitos do povo madeirense. Esta ditadura é uma nova forma de fascismo que arruína a totalidade do Estado. Quem é que pode justificar um tratamento desigual mas superior na defesa da igualdade democrática? Que privilégios têm os madeirenses a mais do que qualquer cidadão deste país?
Não podemos tolerar a prepotência e o abuso do poder qualquer que ele seja e muito menos quando são exercidos sob a capa da legalidade e da democracia.