terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Calçada de letras


Calçada de letras

V

- Ó tio Chico, estou a ver que você tem que por o Ricardo na linha!

- Se continuar na brincadeira e a fazer-me perder tempo ponho-o a trabalhar ao pé de mim, na carpintaria, que é um mimo!

- Isso não, tio Chico. Aperte-lhe os calos, encoste-o à parede. Pode ser que ele ganhe juízo.

- É isso mesmo, tio Chico. Obrigue-o a trabalhar. Ele precisa de saber o que custa a vida!

- Estás maluco, Nuno? Achas bem tirá-lo da escola?

- Então lê o resto da carta. Tu é que até vais ficar maluco…

- E leio:

“Declaração

Eu, Ricardo Redondo, declaro que:

Muitas vezes faço da sala de aula um espaço para brincar e conversar e não dou atenção ao que os professores dizem;

Interrompo as aulas com comentários despropositados e com assuntos que não estão relacionados com as aulas;

Me levanto sem pedir autorização aos professores e ponho papéis no caixote do lixo quando me apetece;

Muitas vezes atiro com objectos aos meus colegas só por brincadeira;

A maior parte das vezes não sou pontual e não me preocupo em evitar essas situações, o que perturba a aula quando entro na sala;

Nem sempre faço os trabalhos de casa nem trago o material necessário para as aulas;

Não sei comportar-me numa sala de aula de modo a não perturbar o trabalho dos meus colegas e dos professores e por isso sou como uma maçã podre que apodrece todas as outras;

Sei que o meu comportamento me prejudica não só a mim, mas também os meus colegas que querem estar atentos e desejam aprender;

Sei que sou responsável pelo meu comportamento e se não me porto bem a culpa é toda minha, porque se eu quiser posso portar-me bem;

Sei que, um dia, posso vir a ser responsabilizado por alguns ou por todos os meus colegas que se sentiram prejudicados nos seus estudos porque não os deixei aprender;

Em conclusão, declaro que apesar de ter 16 anos, não sei portar-me melhor do que um miúdo de dez anos, declaro que assumo todas as responsabilidades pelo meu comportamento e pelo meu aproveitamento e declaro, ainda, que aceito todos os castigos que a comunidade escolar me impuser em consequência do meu mau comportamento.

Escola Secundária da Ortiga, 8 de Janeiro de 2008”

- Estás a ver, Diogo, um aluno estroina é pior do que um fumador que empesta toda a Escola. Se proibiram de fumar, acho bem que proíbam todos os valdevinos de estorvar os que querem estudar.

- E tu, quando andavas na Escola, fazias melhor, Nuno?

- Foi por isso que não pus lá mais os pés. Mas nessa altura os professores deixavam que a canalha fizesse tudo o que lhe apetecia, eles não tinham autoridade nenhuma!…

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Calçada de letras


Calçada de letras

IV

- Nuno, para a semana vamos arranjar a calçada da Escola Secundária da Ortiga. Vou pedir informações sobre as matrículas.

- As aulas já começaram há muito tempo e o mais certo é não ires a tempo.

- Penso que ainda vou a tempo. Olha lá! Que história é essa que me contaste ontem, que os alunos não estudam e passam a vida a brincar nas aulas?

- O meu primo Ricardo estava com medo de mostrar a carta da Directora de Turma e pediu-me que a entregasse ao pai.

- Tu leste a carta, Nuno?

- Não. Mas ele mostrou-ma depois.

- E o que dizia?

- Não te sei dizer tudo, de cor, só algumas coisas. Olha, vem ali o tio Chico Redondo, ele conta-te tudo.

- Boa tarde, tio Chico. Hoje não trabalha?

- Boa tarde, Diogo. Trabalho, mas tive que ir à escola tratar dum assunto. O Nuno já sabe o que se passa.

- Então há problemas!...

- Parece que sim. Toma, se quiseres podes ver. Ficas a saber… Um dia pode ser contigo.

- Espero que não. Mas é bom estar preparado.

“Ex. Mo Senhor,

Serve a presente para informar V. Exa. de que o seu educando nem sempre observa as normas mais elementares de convivência e de respeito para com os colegas e professores, na sala de aula, impedindo, por vezes, o normal funcionamento das aulas e nem sempre é pontual. Alguns professores afirmam que não traz o caderno diário em dia, nem sempre faz os trabalhos de casa e não participa no trabalho das aulas o que prejudica gravemente o seu aproveitamento. Todos os professores se têm esforçado e empenhado o mais possível para alterar esta situação desagradável e prejudicial, não só para ele mas também para todos os alunos da turma. Sendo o senhor, encarregado de educação, igualmente responsável pelo sucesso escolar do seu filho, solicito o maior empenhamento da sua parte para que possamos melhorar o seu comportamento e aproveitamento. Compareça na Escola logo que lhe seja possível.

A Directora de Turma”

- Ó tio Chico, o rapaz anda a portar-se mesmo mal!

- Ainda não acabou. Está aí outra folha com uma declaração para eu assinar se ele não se emendar.

- Declaração?

- Sim.

- Ah! Estou a ver.